segunda-feira, 17 de novembro de 2008

O Homem-Utensílio

Do trabalho para casa, da casa para o trabalho, sempre o que encontro ao chegar ao meu lugar de repouso é uma infinidade de artigos dispersos por vários e aleatórios lugares daquele ponto geográfico delimitado aonde chamo de domicílio. Olho com certa indignação porque tudo está como deixei antes. Isso não é motivo para indignar-me, dir-me-iam alguns, todavia, não me furto a esse direito. O que fazem meus sapatos parados no mesmo lugar em que os deixei ontem? Por que as meias estão no chão? E essa infinidade de roupas desdobradas e semi-amarrotadas em cima da minha cama, impedindo-me de deitar para descansar?

A poeira repousa calmamente sobre os móveis, deixando apenas traços de limpeza onde eu, acidentalmente, encostei por algum motivo. Os livros empilhados dão a impressão de uma atividade intelectual frenética, mas estão somente relaxando suas páginas fechadas em outros lugares da casa que não a prateleira normal. A louça convida-me a acariciá-la gentilmente ou com mais firmeza, dependendo da necessidade. Tudo em meu ambiente doméstico parece dizer: “Sou teu destino, não fujas de mim! Parado ficarei até que se aproximes o bastante para que eu o capture num frenesi de atividades para que tudo fique harmônico e organizado”. Não, as coisas não me dizem isso. Seria devaneio demais.

Contudo, o que serve para minha utilidade hoje não mais escravo, tornou-se meu senhor. Estou preso a lavar os garfos, facas, pratos, panelas, engraxar os sapatos, lavar a roupa, varrer a casa, tirar a poeira, preparar a comida, dobrar a roupa, guardá-la, usá-la e pô-la para lavar novamente num ciclo que me encerra em uma prisão, de certa forma voluntária.

Aparentemente não sou mais o dono da minha imensa e tão cantada de louvores, liberdade. Sou livre para arrumar a casa, comprar comida, trabalhar, para comprar mais comida e arrumar novamente a casa. Em que ponto dessa caminhada (se é que é uma caminhada, pode apenas ser a terra passando por debaixo dos meus pés num efeito esteira) esqueci aquela liberdade que tanto defendia e sonhava nos tempos da faculdade? Parece-me que me tornei escravo do que comprei para minha utilidade. Agora sou útil à utilidade. O que compro grita-me por manutenção e nisso esvai-se o meu tempo.

É um assunto extenso. Pode-se falar nele durante muitas páginas. Sobre como alguém deixa de ser o senhor de suas coisas e torna-se seu servidor, mero utilitário para sua manutenção. O Homem-Utensílio, novo e tão comum super-herói moderno. Realmente, há muito que dizer sobre isso. Mas daqui a pouco, porque tenho que comprar detergente no supermercado agora.


Everton de Almeida Oliveira

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