terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Descrição inicial de um micro-pseudo-psico-conto

Conta-se que na Baviera e ao mesmo tempo num lugar qualquer no desdenhoso caminho do século passado vivia a sua constante morte um sábio ignorante das facilidades do mundo. Constantes eram os relatos das improcedentes questiúnculas levantadas pelo eminente pensador em seus devaneios de volta pra segura casa de sua loucura natural.
Uma vez, enquanto atravessava a ponte natural de sua derradeira adolescência a caminho do deserto da maturidade, vislumbrou no sacrossanto rio dos sangues toda a veemente violência da experiência ao capturar e subjugar ingênuas utopias e incautos sonhos. Daí certamente se arremeteria de cabeça numa pedra de sal não fosse a sua sábia covardia que sempre o impedira dos gestos mais veementes que certamente o transformariam em herói ou mártir. Não nascera pra ser mártir.
Não acreditava em nada depois da morte, nem mesmo em caixão. Não, não me refiro ao metafísico, às condições sobre-humanas, às questiúnculas que ninguém voltou além para nos contar. Ele acreditava que nada, nem as idéias, os gestos sobreviveriam à morte. A morte é como deve ser: derradeira e definitiva.
Era, agora, um homem sem sonhos. Um ser desesperançoso, incapaz de esperar bonança ou desgraça. Um ser que nunca mais sequer cogitaria avaliar se era alegre ou triste. Era o que simplesmente era, nada mais (ou menos) que isso. Vivia com imenso desdém, mas a morte, então, nada lhe importava.

Segunda descrição de um micro-pseudo-psico-conto
Nascia em inspiradora agonia, o traste daquele pequeno ser. Tergiversava umas primeiras estrofes do êxtase e angústia que se configuram a caminhada de cada vivente. Nascera tal qual os outros. Com dois olhos, embora esbugalhados. Uma boca, embora desabitada. Duas narinas e orelhas, embora assoberbadas. Poucas e pequenas mudas de cabelo habitavam sua planície cranial superior.
Ressabiava dele a impressão de nítida soberba, superioridade inexpugnável de seus defeitos ante a fragilidade de nossas virtudes. Mostrava-se umbilicalmente egoísta, coisa de gênio. Urrava com a arbitrariedade de um ditador todos os seus proclamas de satisfação de seus desejos.
Sabíamos que dali viria um grande líder. Talvez não o prestimoso ditador que se apresentava por ali, talvez não o demagogo que facilmente nos comprava com os seus largos, falsos e hipócritas sorrisos. Talvez o primeiro líder insosso. Percepções todas errôneas ao tentar classificá-lo com uma constância inexistente na raça humana. Ninguém merecia tais rótulos. Ninguém conseguiria ser tão ditador e demagogo quanto ele. Assim termina o segundo pedaço dessa micro-história.

Sublime vida indigesta - uma história que nada tem a haver com o todo
Notavelmente havia passado a fase de mais alta indigência e agora distribuía indulgências, não porque o seu deus havia determinado, mas porque era parte de seu livre-arbítrio. Caminhava estradas sem volta em direção a lugar nenhum que conhecesse. Tropeçava em afiadas pedras que lhe dilaceravam a carne e deixava parte de si pelo caminho como indícios de sua indubitável existência.
E assim era feliz não de uma risada larga, mas de uma incompletude notavelmente instável. Devorava a tudo e a todos que encontrava pelo caminho em sua mente compulsória, como se saber fosse uma febre. Lia, relia, desvirtuava o cotidiano ao deixar suas marcas onde não poderiam ter estado. Vivia em estado de letargia. Dos poucos que conheceram garantem que este morreu de indigestão literária.

História Inóspita
Quando nascera tudo o que sabia, sua única certeza, é que não queria estar por ali. Toda aquela comodidade, aquela inebriante beleza, lhe causava repugnância. Mas, já que estava naquele mundo tudo o que restava era crescer e aparecer. "Que idiota, cresceria num mundo tão bonzinho", pensava ele enquanto degolava um pescoço de frango recentemente cozido ao molho madeira. Mas lhe restava alguma? Repito, lhe restava alguma alternativa? Não. A não ser que surgisse um novo mundo ou ele fosse tão metódico em sua desesperança que pudesse o criar... Sua vida se resumiria em nascer, crescer e morrer. Não deixaria nenhuma herança senão sua metódica desesperança à qual todos os seus ascendentes renegariam.

Giordano Maçaranduba

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