sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Papai Estado, tende piedade de nós

Diziam: “O Estado não deve intervir no mercado”. E acrescentavam: “O mercado é que tem que se auto-regular”. Afirmavam ainda: “O governo deve deixar o mercado livre”. Também alardeavam: “O Estado não deve ditar os rumos da economia”.
Frases como as transcritas acima eram repetidas e defendidas, nos quatro cantos da Terra, por empresários, banqueiros, políticos e, principalmente, por economistas, aqueles sábios de plantão com passagem por Harvard ou por Princeton. Diziam eles que a mão do Estado na economia era uma erva daninha, um estorvo, um atraso. Detalhe: isso em tempos de céu de brigadeiro, em tempos de bonança, em tempos em que os cofres do Banco Mundial e do FMI estavam abarrotados de dinheiro, oriundo, sobretudo, dos miseráveis do Terceiro Mundo (latino-americanos, africanos e asiáticos).
Mas, como diria Drummond, e agora, José? Agora, parece que, realmente, a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu e a noite esfriou, conforme dito pelo mestre modernista. Onde estão os economistas e suas fórmulas mágicas neste momento de quebradeira generalizada, de empresas em estado de falência e de empresários em insolvência? Onde estão o Armínio Fraga, o Mailson da Nóbrega, o “Papa” Delfim Netto? Onde eles estão para nos socorrer? Que tal invocarmos o espírito do Roberto Campos para ele nos trazer o antídoto para esse mal?
O que vemos hoje? Vemos empresários passando o chapéu, implorando ao papai Estado para socorrê-los. “Ah, se não formos socorridos, teremos de demitir milhares e milhares de pessoas. Se o senhor, papai Estado, não nos ajudar, nós não iremos mais pagar impostos”. Isso não é chantagem de menino mimado?
Mas, afinal, o Estado não deveria ficar de fora da economia? Não deveria ser um mero coadjuvante, apenas um indutor de mecanismos que fizessem as empresas crescerem? Não. Isso era e continua sendo, mais do que nunca, uma falácia. Essa história de auto-regulação e de liberdade de mercado só é boa para os mega-investidores, para os grandes empresários, pois, com o chamado Estado mínimo, eles podem barganhar o que quiserem. Barganham perante os pobres trabalhadores, ameaçando-os de demissão; barganham perante os grandes bancos, pois são clientes mais que preferenciais, sendo bajulados e paparicados; barganham, principalmente, perante o próprio Estado. Conseguem, por exemplo, rios de dinheiro do BNDES, alegando que criarão empregos, que aumentarão a arrecadação, que gerarão divisas, esses pontos comuns que ouvimos e aos quais nos habituamos desde longa data. Os investidores e empresários são, na verdade, como meninos de pirulito na boca fazendo cena diante do pai.
Até mesmo nos Estados Unidos, o ainda país mais rico do mundo, a situação parece catastrófica. Estamos assistindo a uma fila de pedintes na Casa Branca, no Senado americano e no escritório do futuro presidente Barack Obama. A GM e a Ford, por incrível que pareça, estão com as mãos estendidas implorando socorro estatal, após cortarem milhares de vagas de emprego e de ameaçarem cortar ainda mais. Como o resto do mundo tenta imitar os estadunidenses, a coisa se repete por aqui. A Vale do Rio Doce já pôs na rua mais de mil trabalhadores e já vem com um discurso ameaçador de que terá de cortar mais pessoal em razão da crise. Há mesmo necessidade de mais demissões? Aliás, as mais de mil demissões não foram um exagero? Ninguém pára para pensar nisso. O que se ouve é: “Nossa! A situação está feia. Até a Vale está demitindo”.
É bom lembrar que a Vale está hoje nas mãos da iniciativa privada por causa do discurso falacioso do Estado mínimo, do Estado enxuto, pregado e levado a cabo no governo FHC, sendo vendida por um preço ínfimo e, ainda por cima, fiado. Para se ter uma idéia, o lucro da Vale em 2007 foi maior do que o preço pelo qual ela foi arrematada.
Por falar em FHC, essa sigla lembra fórmulas físicas e químicas, como dizia a mídia no início do seu primeiro mandato. Talvez ele, FHC, que anda meio sumido, possa nos indicar o caminho das pedras que nos leve a sair do caos. Mas, pensando bem, existe mesmo caos? Ou seria mais uma onda de terror espalhada por aqueles que fazem do capitalismo uma marionete macabra para assustar os pobres espectadores?
Liberdade de mercado, livre iniciativa, isso tudo não é novo. Ainda na Revolução Francesa, no fim do século XVIII, tais ideais eram veementemente defendidos. Isso, na realidade, refletia nada mais do que o próprio interesse daqueles que encabeçaram o episódio, ou seja, a burguesia. A partir dessa noção de liberdade e de iniciativa própria, o mundo caiu no conto do vigário. As pessoas passaram a aceitar a riqueza para poucos e a pobreza para muitos como um fatalismo social e quase natural. Não é incomum ouvirmos as pessoas dizerem que o mundo é assim mesmo, como se Deus, na gênese da criação, tivesse determinado isso como uma fórmula matemática.
Estamos vivendo a Grande Depressão 2 ou a continuidade da primeira quase cem anos depois? Ora, sendo parte da primeira ou a segunda isoladamente, a verdade é que a crise atual não foi a primeira e tampouco será a última. O capitalismo é assim mesmo. Ele foi arquitetado para viver de sobressaltos, de ondas de colapso e regeneração. Quem o programou fê-lo de forma muito eficiente. Engana-se quem pensa que o capitalismo ruiu. Não. Ele não ruiu. Ele está mais forte do que nunca. Ele está, digamos, gripado. Daqui a pouco, ele começa a convalescer e volta a malhar nas academias de ginástica do Tio Sam. É lá que ele encontra seu refúgio; é lá que ele mantém a blindagem de que precisa; é lá que ele tem “arautos” doutores para defendê-lo, seja em Harvard ou em Princeton, doutores copiados pelos “sábios” tupiniquins.
José Saramago, como sempre genial, definiu muito bem, quando esteve no Brasil recentemente, quem são os homens que fazem o capitalismo e que patrocinam a crise, quem são os grandes empresários, banqueiros e investidores que amedrontam o mundo. Para o mestre português, todos esses homens não passam de criminosos. Saramago realmente está certo, mas é preciso acrescentar algo à sua definição: esses homens não passam de criminosos privilegiados, pois, na hora da bonança, esnobam o Estado, mas, na hora do desespero, estendem-lhe as mãos e, o que é pior, são atendidos. O papai Estado realmente é generoso. Dá o dinheiro e, de quebra, ainda oferece o pirulito para adocicar-lhes o sorriso.





Francisco Atanagildo Melo Silva
(Graduado em Letras pela UnB, revisor de textos oficiais e estudante de Direito da UFT)

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